Consulta pública da ANS – Um cenário que necessita de remendos.

Data: 17/12/2013

Autor: Comunicação Sari Advogados

Vou ter que entrar na sua casa, na sua vida e, se permite caro Leitor, segurar com firmeza em seus ombros, olhar em seus olhos e perguntar:  Qual a sua análise a respeito da consulta pública praticada pela Agencia Nacional de Saúde Suplementar – ANS ?

Claro, lhe diz respeito! Segundo Maurício Ceschin, presidente da Agência, até o primeiro semestre neste ano, todas as operadoras de planos de saúde terão que se adaptar a uma nova norma, que inclui, em resumo, até 07 (sete) dias para agendamento de consultas médicas, até 10 (dez) dias para consultas com especialidades determinadas – psicólogos, nutrólogos, fisioterapeutas, dentre outros, até 03 dias úteis para exames, 21 dias para internações, e, o mais incrível, devido cumprimento da territorialidade. Como ?!

Explico: Citarei como exemplo um plano de saúde contratado para todo o Estado de Goiás. Este deverá, além do cumprimento do tempo determinado para atendimento, conforme explicitei, também possuir médicos, laboratórios e hospitais em cada município, ou, o plano deverá arcar com o custo do transporte de ida e volta para a cidade mais próxima que tenha o serviço almejado pelo beneficiário na área da saúde, tendo, alternativamente, o reembolso do gasto, caso prefira arcar com as próprias despesas, ou, ainda, se em nenhum destes o beneficiário se sentir confortável, e no caso de haver  um médico no município, que não faça parte da rede credenciada do plano, a operadora poderá pagar os honorários deste médico para atender o consumidor, para que ele possa gozar da sua consulta e demais procedimentos sem qualquer  problema, ainda que a operadora não o tenha avaliado.

Calma, caro Leitor. Sei que você poderá estar incluído no rol de mais de 40 milhões de beneficiários de planos de saúde e que poderá ter ficado feliz com isso. Tenho a sensação, aliás, que a futura norma da ANS gerou uma espécie de “torcida organizada”: beneficiários cansados x operadoras de saúde relapsas.

Certo. Passada a euforia, a sua preocupação é com o aumento das mensalidades do plano ? Sei. Andam me perguntando muito a respeito, se na minha humilde opinião isto poderia ocorrer e, quando eu digo, de forma sorrateira “talvez não”, vejo em um o grito de milhões, a torcida organizada e desesperada por um respeito maior da saúde, mesmo sendo a saúde privada da qual é cliente, cujo respeito já seria merecedor.

Então, se a mensalidade do plano de saúde não aumentar, você, Leitor, beneficiário e integrante desta enorme torcida organizada, ficará feliz ? Calma, não grite de alegria, não ainda, eu não soltei seus ombros e você me permitiu invadir a sua casa e desorganizar um pouco a sua vida. Vamos viver uma análise mais detalhada da notícia. Vamos levantar as cortinas e saber os detalhes escondidos no cenário deste espetáculo criado pela ANS. 

Espetáculo, aliás, escrito em outubro de 2009, mas engavetado pela própria Agência.  Talvez, em decorrência das eleições do país... já que as diretrizes deveriam iniciar em meados de 2010. Claro, poderia tirar o brilho da situação, ocasionar menos impacto, não sei, minhas suposições, meras hipóteses de quem analisa, pondera, questiona e emite a opinião mesmo que ninguém pergunte.

Pois bem. Sinto ser a pessoa a lhe abrir as cortinas do espetáculo. O cenário nem sempre merece um olhar mais atento do expectador, capaz de mostrar o remendo feito às pressas, os furos das meias das bailarinas, as quilométricas fitas crepes utilizadas em todos os cantos do cenário e dos figurinos, seja para segurar os fios, fazer barra nas cortinas e saias rodadas, ou colocar na sola dos sapatos para não escorregar... é, o truque dos sapatos também é muito usado pelas mulheres, é infalível, eu garanto.

Após tomar conhecimento destas novas regras que a ANS alega impor ao mercado até junho deste ano, fiquei a pesquisar qual o posicionamento das Operadoras dos Planos de Saúde, claro, porque após o posicionamento das empresas do mercado, eu estava curiosíssima em conhecer se o Conselho Médico Federal também havia se posicionado, e mais, na minha busca incessante por respostas, queria saber o que dissera a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, órgão regulador, responsável por zelar pela liquidez das empresas operadoras de seguro, como o seguro saúde.

Em todas as minhas pesquisas oficiais e oficiosas só me deparei com o silêncio...

O silêncio sempre me apavora quando se trata de mercado econômico. Tenho sempre a sensação de que está ocorrendo alguma festa, que eles insistem em chamar de Assembléia ou reunião extraordinária, votação fora de pauta, ou qualquer coisa do gênero, e eu, além de não ter sido convidada, sequer, como cidadã, não tomarei conhecimento, de forma exata, do que eles conversaram... Silêncio... mas o meu futuro muitas vezes é votado sem sequer eu saber, tamanha interferência das leis e emendas no nosso dia a dia... silêncio.

Então, para que eu não acabasse ouvindo a musica “Brasil” de Cazuza,  o que me deixaria a um passo de uma propensa rebeldia patriota, correndo, ainda, o risco de me sentir livremente audaciosa como se fosse James Dean, a ponto de poder jogar pedra na Praça dos Três Poderes com a certeza juvenil e desmedida de que ninguém me levaria em cana,  é que resolvi pedir esta licença para lhe confundir, ou melhor, esclarecer o que não está esclarecido. 

Sim, convém voltar ao tema para que eu possa soltar seus ombros e lhe deixar com uma sensação de que, quando se trata de mercado econômico, o silêncio é desprezo daqueles que governam, e isso é grave para os que não foram convidados para a festa.

Assim, a ANS se manifestou e nenhum rumor, pela possível parte atingida, ocorreu. Então, se analisarmos a situação a grosso modo, claro, já contei que não me convidaram para nada e, portanto, não posso Leitor, contar-lhe nada que não seja uma suposição da minha criativa mente corporativa. Já entrei na sua casa, agora pretendo entrar na sua vida, porque, se nada disso realmente ocorrer, ao menos eu terei sido a única a avisar-lhe com antecedência. Portanto, vou plagiar Carlos Lacerda, serei “a amiga certa das horas incertas”.

No tema, me questionaram diversas vezes que a preocupação de milhões é o aumento da mensalidade. Se isso não ocorrer, disseram-me, “ótimo, que se faça a norma e se cumpra” e (a frase da moda) “que se fiscalize senão não vai adiantar”. Simplório o consumidor, uma gota até de excentricidade e egocentrismo, eu diria, já que faço parte do rol da gigante torcida, só que ainda não levantei, por medo, talvez, minha bandeira.

A ANS diz que a norma é em detrimento do consumidor, que merece mais respeito. Mas, digamos que a norma seja aplicada amanhã – a primeira idéia da Agência era para março, então estaríamos analisando em um período lógico. Será que os Hospitais estariam preparados para atender a população no período determinado? Haveria leitos disponíveis? Tempo para reestruturação? E os médicos? Conseguiriam cumprir a determinação de agendar todas as consultas para qualquer paciente que o procurar (até porque se o médico for credenciado por um respectivo plano, qualquer beneficiário do plano em questão, poderá exigir o devido cumprimento da norma)? Lembremos que o médico possui, normalmente, dois ou três trabalhos, coadunando (ao menos os médicos acham que conseguem coadunar) consultório, ambulatório municipal ou estadual – muitos chamam de garantia de aposentadoria, aulas nas Universidades, além das cirurgias em diversos Hospitais.

Acredito, na minha vã filosofia, que os médicos dificilmente conseguirão se adaptar, ao menos no inicio, a esta norma... e se não o fizerem ? Que venha a análise do Judiciário, que acabará tendo mais um ‘zilhão” de processos para analisar, a indústria chamada “falsa expectativa do consumidor” cujo pedido conterá, claro, os famosos danos morais... e àquele que não cumpre as determinações, ora, acabrá por ser punido.  Em suma, é assim. Então, pronto, a ANS, em análise, atinge os médicos... e os coloca em uma posição deficitária, mesmo que aliada a uma possível responsabilidade solidária com a operadora do plano de saúde, o profissional deverá responder pelos danos ao consumidor, por se tratar de prestador de serviços. Ora ora, deu-se início a um embrólio, e eu aqui, segurando seus ombros, (lembra?) já sinto em seus olhos o mesmo ar de preocupação que constam nos meus... mas levantemos um pouco mais as cortinas empoeiradas deste cenário para analisarmos o espetáculo moldado pela a ANS em prol da Sociedade.

A Agencia Reguladora é orgão governamental, e suas normas reguladoras também irão infringir o Código de Ética dos Médicos, cujo texto traz em seu bojo a garantia do profissional em poder escolher seus pacientes, decidir os atendimentos que fará. Ora, que venha então o Conselho Médico Federal, para socorrer os profissionais da área da saúde que certamente só descobrirão o que, de fato, poderá ocorrer com as nuances do mercado, após a primeira ação intentada em seu desfavor... aí, mexendo no bolso, saberão que nada lhes foi informado “exatamente” e que o órgão, o mesmo que cobra uma anuidade por toda a vida profissional, sequer os orientou ou tomou qualquer partido. Lembrando, ainda, que  os profissionais da área da saúde são submetidos à tabelas das operadoras, com valores baixos, muita burocracia para recebimento de honorários e altos impostos, aliando, por conseguinte, a uma probabilidade maior em arcar com altas indenizações. E não apenas por erro médico, mas por não conseguirem se adaptar a norma da ANS.

Estes profissionais, se cobrassem do consumidor o mesmo valor mórdico da tabela, teriam a possibilidade de não arcarem com impostos tão altos e não se sujeitarem a um mercado propício de indenizações em massa por má prestação de serviços em decorrência de prazos para atendimento... Olha aí o motim da saúde ! Quem se arriscaria ? As operadoras aumentariam as tabelas para um maior atrativo ? Mas conseguiriam fazer isso em todo o país ? As Seguradoras passariam a vender mais seguro de Responsabilidade Civil ? O PROCON angariaria uma maior quantidade de recursos em detrimento das multas ? Mais dinheiro chegando ao Judiciário através das custas processuais que certamente os médicos também arcariam nas ações de anulação das multas impostas ? Até agora, neste parágrafo, o médico está pagando, e alto... e nem conhecemos o valor estipulado nas possíveis sentenças condenatórias...

Mas, passemos para outro episódio, e observemos o cenário por outro ângulo. E se as mensalidades dos planos não sofrerem uma altíssima alteração ? Quem pagará a conta ? Não estaríamos diante de uma forte tendência para uma crise no mercado financeiro ? As operadoras menores, ou menos preparadas economicamente, conseguiriam suprir os gastos territoriais ? Teriam condições de, diariamente, enfrentarem as inúmeras solicitações de reembolso com transportes de seus beneficiários ? E os honorários de terceiros não credenciado ? As operadoras irão arcar com o valor dos honorários médicos, ou que seja ambulatoriais ou hospitalares, de um serviço que sequer avaliou ? E se algo ocorrer com o beneficiário sob a responsabilidade de um terceiro prestador de serviço ? As operadoras irão responder civil e criminalmente, com esteio na responsabilidade solidária, pelos atos de negligencia, imprudência ou imperícia, ou será a ANS ? 

E, ainda, em um aparente caos, viva o mercado aberto e promissor para as empresas de sindicância ! Salve, salve auditoria!!!  Claro, Leitor, entendo que será extremamente difícil, para não dizer duvidoso, recepcionar diversos “recibos” de transportes, com entradas em hospitais, consultas e etc., sem a devida certeza de que não se trata de uma possível fraude. Nossa, quanto tudo isso irá custar ? Mesmo que o valor da sindicância seja maior que o valor pleiteado pelo beneficiário, não poderá o mercado demonstrar que está de olhos fechados para qualquer possibilidade de crimes contra o sistema. Será necessário investigar constantemente, até para evitar fraudes de todos os lados, seja da equipe interna, seja das solicitações independentes.

Mas, voltemos às operadoras que não se enquadram no sistema. Seriam vendidas ? Ocorreriam fusões ? Imaginemos contratos em rede nacional... da cidade de Nova Procópia do Norte/MA à Borá/SP todas as diretrizes e estruturas da ANS teriam que estar cumpridas... ou, caberia uma multa altíssima, e não estou me referindo que a multa seria da ANS, mas da SUSEP, que possui o dever de fiscalizar as Cias. de seguro do país. No entanto, também é privativo da SUSPEP, como eu já disse, zelar pela liquidez e estabilidade do mercado. Mas, se assim é, porque a SUSEP não se posiciona neste enlace, diante de todos nós, meros cidadãos, com receio de continuar como “beneficiário” de seguro saúde... até porque, será realmente que haverá benefícios ? Melhor não seria, então, modificar o nome... ao invés de “beneficiário” para “presidiário do seguro saúde” ? Claro, é uma carceragem, já que se não nos prendermos aos planos, teremos todos que nos sujeitar ao SUSto. (claro Leitor, SUSto é proposital).

Pois bem. Ainda temos a parte jurídica... a ANS alega que está aplicando o PRINCÍPIO DO PROTECIONISMO INSERIDO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 

Ocorre que no Direito Constitucional, há reserva explícita para o zelo da Constituição Econômica, que em suma, e até a grosso modo mesmo, possui como ideologia se evitar crises no mercado econômico, zelando pela moeda, pelo poder de compra, e, tendo como cenário, olha aí o “espetáculo constitucional”, zelando pela Sociedade Brasileira. Portanto, incluídos os beneficiários (ou presidiários, como queiram) dos planos de saúde.

Claro, se fere a Constituição Federativa do Brasil , a norma da ANS possuiria legalidade para tanto alarde ? Ou o “princípio da proteção ao consumidor” mudará de contexto em nova festa, digo, reunião, mantendo, apenas, a ideologia nas “entre linhas” ? Ou tudo isso será engavetado como já ocorreu em 2009 ? Ou será que seremos milhões de presidiários de planos de saúde nas mãos de 03 ou 04 operadoras ? Claro, se ocorrer uma crise a ponto de “enxugar” as empresas existentes, já que em um cenário caótico, mas não fora da realidade, a quantidade de possíveis fusões ou exclusão das operadoras mais vulneráveis, poderia ocorrer, como seria sem uma forte concorrência ? Haveria interesse em arriscar fazer parte do SUS ou nos sujeitaríamos ao que viesse para não termos que aumentar a fila dos hospitais públicos? Certamente a média de 0,30 segundos de atendimento de médico-paciente, acabaríamos tendo consultas através de gravações, como os 0800 das telefonia, bancos e etc..... “Bem vindo ao Sistema único de Saúde. Aguarde o momento que você será atendido... “Para  fratura exposta, aperte UM... Olá, se a fratura exposta lesionou o braço direito, aperte dois, se não mais possui os dedos, aguarde e retorne ao menu principal”....

Caro Leitor, soltarei seus ombros e sairei da sua casa, mas guardarei a imagem dos seus olhos duvidosos, lacrimejantes.  Sei que não irá mais perguntar minha humilde opinião a  respeito da possibilidade do aumento na mensalidade do plano de saúde, como se este fosse o único impedimento para sua alegria, já que pensava que a ANS estava lhe colocando nos braços e acalentando todos os beneficiários que merecem respeito.

Talvez eu sinta saudades da aproximação do Leitor com esta dúvida tão inocente diante de um espetáculo cercado de efeitos especiais.

Mas, abrimos as cortinas. Levantamos o que conseguimos. Pudemos observar os remendos, os furos das meias das bailarinas já não tão saltitantes. Descobrimos a vulnerabilidade das fitas crepes, podendo derrubar os fios da esperança tão logo a cola acabe.

Sim, a única resposta plausível para sua dúvida, e faço questão de responder em retribuição a sua confiança, por me receber na sua casa, mãos nos ombros, olho no olho, é que ainda é cedo para qualquer resposta. Desconhecemos os impactos desta situação. Desconhecemos porque ninguém lembra que somos os mais interessados. Acham que estamos treinando gritos de guerra de uma torcida organizada e que o melhor é que tudo acabe em pizza, porque já nos acostumamos. E está mesmo chegando o carnaval.  Mas o assunto é complexo e há o desprezível silêncio do mercado como um todo. Ou, então, haverá uma festa, onde tudo se encaixará e nós não seremos convidados e não saberemos o que de fato aconteceu, quem ficou com quem, quem brigou, quem falou o quê, nada disso. Só saberemos o texto final, pronto, debatido e revisado por alguns para surpreender milhões.

Somos os presidiários dos planos de saúde. Os fugitivos do SUS. Aconteça o que acontecer, se a norma vigente ingressar no mercado da maneira como andam anunciando, então não se preocupe com a mensalidade do seu plano de saúde. Se não for através da mensalidade, será em outra moeda, mas ao final, quem pagará a conta, acredite, (esta é a minha parte inédita da narrativa, guardei para o final para um suspense), será a gente mesmo, o consumidor final, aquele que fica por ultimo na fila de espera e só sabe dos acontecimentos quando os convites terminam e não conseguimos entrar na festa.

Se um dia eu conseguir penetrar em alguma reunião dos dirigentes em Brasília, não se preocupe, contarei tudo, Leitor, tim tim por tim tim. Aí serei, ao menos por um dia, James Dean, porque chegarei neste teclado com uma velocidade muito maior que as auferidas na estrada por esta estrela rebelde de Indiana. E, no meu extremismo, passo da rebeldia do cinema para a veia poética de Carlos Lacerda, e em plagio, atesto novamente: “serei a sua amiga certa, das horas incertas”. Aguardaremos a festa dos dirigentes, se eu conseguir penetrar, retomo esse assunto outra vez !

Um grande abraço,

Renata Sari 


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